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17sep2008
17sep2008

Angel Rivière Gómez

Palomas
PROFESOR ANGEL RIVIÈRE GOMEZ por Mercedes Belinchón - Facultad de Psicología - Universidad Autónoma de Madrid

Os estudantes e profissionais de psicologia de fala hispana estamos de luto. O passado 12 de Abril uma hemorragia cerebral brutal e inesperada aplacou para sempre a voz e a consciência de Angel Rivière Gómez, catedrático de Psicologia Cognitiva da UAM, aos 50 anos de idade. Com sua morte, perdemos o magistério esforçado e cálido de um dos psicólogos teóricos mais brilhantes de nosso meio. Também, perdemos o conselho profissional experiente e ao mesmo tempo sensível de um especialista em autismo de reconhecido prestígio internacional, que desenvolveu um incessante labor assistencial e docente, e que transformou radicalmente o conhecimento que os profissionais espanhóis e a sociedade em seu conjunto tiveram nas últimas duas décadas sobre as características, as necessidades e as terapias mais eficazes das pessoas afetadas por transtornos severos do desenvolvimento.
Angel Rivière tinha nascido em Madrid o 16 de Junho de 1949 no seio de uma família vocacionalmente dedicada à docência, o pensamento e a arte. Bacharel em Filosofia e Letras em 1971 pela Universidade Complutense de Madrid, fazia parte da primeira promoção da Seção de Psicologia desta Universidade. Desde o curso 1971/72 foi professor na Universidade Autônoma de Madrid, onde obteve uma cátedra em Psicologia Cognitiva em 1990. Entre 1974 e 1977, deu também, como professor contratado, classes de História da Psicologia na Universidade Complutense de Madrid. Desde 1978, data de sua fundação, foi assessor técnico da Associação de Pais de Meninos Autistas (APNA). Também desde sua criação, nos anos 1978 e 79, fez parte ativa do grupo Infância e Aprendizagem e dirigiu a revista Estudos de Psicologia, que contribuiu um leito original e estimulante à difusão das investigações psicológicas em língua espanhola.
Durante os cursos 1985-1987, foi coordenador dos estudos de "Especialização em Perturbações da Audição e da Linguagem (Logopedia)" da UAM. Entre 1987 e 1989, foi diretor do Centro de Investigação e Documentação Educativa (CIDE), e representante espanhol no Comitê de Educação da OCDE. Antes e depois destes cargos, ocupou diversos postos de responsabilidade na Faculdade de Psicologia da UAM (onde foi Vicedecano de investigação e Diretor do Dpto. de Psicologia Básica), e na Sociedade Espanhola de Psicologia (da que foi Vice-presidente). Nos últimos anos, visitou com regularidade em qualidade de professor convidado diferentes universidades latinoamericanas como as de Buenos Aires, Comahue, San Luis, Católica de Chile, UNAM de Méjico ou Morelos (Cuernavaca, Méjico), e, como assessor da Federação Espanhola de Pais de Autistas (FESPAU), contribuiu ativamente à organização de serviços e a formação de terapeutas especializados no atendimento a pessoas com autismo em diferentes estados americanos.
Docente e pesquisador vocacional e infatigável, o curriculum acadêmico de Angel Rivière contém um número assombroso de publicações, conferências, trabalhos de investigação e direção de teses doutorais, cuja simples enumeração não faz justiça à profunda influência que sua obra e sua atividade tiveram tanto nos âmbitos acadêmicos como nos profissionais. Autor de uma das prosas mais fluídas e belas de nosso panorama científico e comunicador excepcional, fez de sua peripécia vital uma exibição contínua da utilidade social da ciência e da excepcionalidad dos cientistas comprometidos e capazes, não só de pensar, senão também de fazer pensar. Seu afazer diário, que revelava uma inquietude intelectual e uma erudição realmente prodigiosas, constituiu por si mesmo um exemplo contínuo de sua genialidade criativa e uma demonstração permanente da importância que concedia à palavra e a racionalidade como base do progresso científico e social, a melhora das instituições, e a luta pela dignificación da atividade acadêmica e profissional em seu conjunto.
A encruzilhada pessoal em que permanentemente viveu Angel Rivière, que lhe levou a simultanear até o esgotamento suas tarefas docentes, investigadoras e assistenciais, serviu de transfondo e em certo modo de determinante de sua evolução intelectual. Foi, durante toda sua vida, um psicólogo cognitivo convicto, obsedado pelo sentido profundo das coisas, e permanentemente interessado na reconstrução genética das teorias, as ações e as capacidades psicológicas. Em seus estudos em paralelo da psicologia infantil e a psicologia adulta, fez acopio de um volume abrumador de informação e conhecimentos que sabia sintetizar com naturalidade e perspicácia inigualáveis em classes, conferências e publicações.
Bom conhecedor da história da filosofia, e aluno avantajado de maestros como Alfredo Deaño e Juan Delval, os primeiros trabalhos de investigação de Angel Rivière, ao igual que sua tese doutoral (publicada em 1986 com o título de Raciocínio e Representação -Edit. Século XXI), versaram sobre os processos de raciocínio dedutivo e tiveram uma marcada orientação piagetiana e logicista. No entanto, desde finais dos anos 70, sua aproximação às obras dos psicólogos soviéticos da escola vigotskyana (favorecido por sua incorporação ao grupo Infância e Aprendizagem), e seu contato direto com o mundo do autismo (que lhe levou a um conhecimento cada vez mais profundo das devastadoras conseqüências do que este transtorno produz sobre as habilidades cognitivas, sociais e comunicativas das pessoas que o sofrem) provocaram um giro profundo em seu conceptualización teórica da natureza e origens das funções cognitivas e lingüísticas, e dos fundamentos epistemológicos e metodológicos da própria Psicologia como ciência.
AO longo das últimas duas décadas, Angel Rivière desenvolveu uma obra teórica original e compacta, assombrosamente madura e subtil. Nela, podem-se destacar, sem pretensão alguma de exhaustividad, três grupos diferentes de contribuições. Em primeiro lugar, suas contribuições ao estudo do desenvolvimento da função simbólica dos meninos normais e com transtornos do desenvolvimento, que lhe converteram num defensor brilhante e apaixonado do denominado interaccionismo simbólico, e que lhe permitiram difundir em numerosos artigos e capítulos de livros uma visão do desenvolvimento cognitivo e social que estimulou o desenho profissional de numerosas e inovadoras propostas de intervenção educativa. Em segundo lugar, suas contribuições à definição do objeto e métodos da moderna Psicologia cognitiva (magistralmente expostos em seus livros O sujeito da Psicologia cognitiva -Madri: Aliança, 1987-, e Objetos com mente -Madri: Aliança, 1991), que lhe levaram a reivindicar a prioridade do sujeito "consciente e interactuante" como meta última das investigações psicológicas. Em terceiro, mas não em último lugar por sua importância, suas contribuições ao estudo da linguagem, no que destacou seu interesse pelos componentes pragmáticos e intencionais da atividade lingüística, seu conhecimento profundo da interconexão das funções representacionales e comunicativas da linguagem, e sua preocupação pela relevância comunicativa dos atos lingüísticos (expostos parcialmente no livro Psicologia da linguagem. Investigação e Teoria -Madrid: Edit. Trotta, 1992- do que foi co-autor junto com J.M. Igoa e M. Belinchón).
Desde mediados dos anos 80, conceitos como o de "intersubjetividad", "metarrepresentación" e "teoria da mente" permitiram a Rivière articular uma proposta conceitual integradora sobre o funcionamento cognitivo humano, atraente e bem fundamentada, que teve desde então um impacto considerável no vocabulário científico e a prática profissional de numerosos psicólogos e educadores (como exemplo, seu livro A mirada mental, escrito em colaboração com M. Núñez e publicado em Buenos Aires -Edit. Aiké, 1996). Seu interesse por incorporar as intenções e crenças ao âmbito das explicações científicas das ações e interações humanas, e sua habilidade para enriquecer as teorias cognitivas de corte computacional com os dados procedentes do estudo ontogenético das habilidades afetivas e sociais, levaram-lhe a desenvolver nestes anos uma mirada muito pessoal a respeito da mente humana, uma mirada profunda e compreensiva, atenciosa sempre aos matizes, que se correspondia bem com sua peculiar maneira de ser e relacionar-se com o mundo: extremamente afável e empático com os outros, mas carregado sempre de dúvidas, interrogantes e hipóteses sobre o por que das condutas e os fatos.
Nos últimos anos, e ao mesmo tempo em que desenvolvia junto a suas colaboradoras um ambicioso programa de investigação sobre os precursores, fundamentos e alterações da "teoria da mente", Angel Rivière começou a interessar-se pelos componentes mais executivos da atividade mental (responsáveis, como já assinalasse Luria, do planejamento, supervisão e controle da ação), os processos implicados na linguagem e o pensamento metafóricos, e os processos cognitivos que permitem dar sentido ou "coerência central" à experiência e a atividade das pessoas (por usar o termo cunhado por Uta Frith).
O mesmo Angel Rivière que com sua dedicação apaixonada à investigação e a docência resultava comovedoramente incapaz de pôr limites a sua agenda e reservar-se o tempo e os cuidados que sua precária saúde demandava soube integrar também todos estes elementos em seus últimos trabalhos sobre autismo (O tratamento do autismo: Novas perspectivas e O menino pequeno autista -editados em colaboração com J. Martos pela Associação de Pais de Meninos Autistas, em 1997 e 2000, respectivamente), legando assim aos profissionais e estudiosos do desenvolvimento normal e não normal uma coleção de escritos de extraordinário valor teórico e prático que condensam, de um modo que agora se nos antoja dramaticamente antecipatório, os conhecimentos, experiências e reflexões acumulados durante seus últimos 25 anos.
Angel Rivière morreu de um modo trágico e prematuro, deixando interrompidos projetos e ilusões compartilhadas. Além do esvaziamento dolorido que sua ausência provoca em seus familiares, amigos, colegas e alunos, a recordação emocionada de seus gestos e o tesouro irrepetível de sua obra. Quem tivemos o privilégio de compartilhar seu tempo e seu afeto podemos refugiar-nos no eco escrito de sua voz e proteger assim, das sombras do esquecimento, a memória deste psicólogo excepcional, mestre e amigo entranhável. Mercedes Belinchón - Faculdade de Psicologia - Universidade Autônoma de Madrid

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