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UM POETA À ALTURA DO QUE ESCREVIA

Palomas
Por Rodolfo Braceli
Para LA NACION

Mario Benedetti nos antecipou que somos bem mais do que duas, que ao fogo lhe devemos dizer graças e que o Sul também existe. Alguns opinam que é um grande poeta menor. Arrancou a poesia do livro e a emparentó com a música: conseguiu a prodigiosa multiplicação dos outros pães. Um poema alado pela música chegará sempre mais longe do que todo míssil preventivo. Certeiro, chegará a cada coração e sem danos colaterais.

A Benedetti o conheci através de várias entrevistas. Conservo sua imagem de cordial farmacêutico, com sua gravata sempre descentrada e metida sob o cinto. Como homem, como cidadão do mundo, sempre esteve à altura do que enarboló escrevendo. De quantos se pode dizer isto? Assim anda, assim trastabilla o mundo.

A última vez que o encontrei, café de San Telmo mediante, propus-lhe falar sobre a morte. Apertou o cenho, mordeu-se o bigode perfeitamente recortado, carraspeó. Temi que a pergunta ficasse sumida num silêncio sem volta. Pouco considerado, apressei-o com outra entre jocosa e desmesurada: "Mario, ao menos poderia dizer de onde vimos e aonde vamos?". Suspirou, sorrio mal e seguiu: "Demasiado singela a pergunta, não? ¡Eu que sei! O mais fácil seria responder do que vimos do nada e vamos para o nada. Mas também não estou seguro". "Há algo que você tenha por seguro?", disse-lhe. "Si: que não quero ser olvidadizo e, menos, olvidador; que não devemos encolher-nos de ombros ante os 40.000 meninos que sucumbem diariamente no purgatório da fome."

Vá saber um por que, sempre chove quando se vem a última despedida. Benedetti se pôs o perramus sobre os ombros, subimos a um táxi e, sem que mediasse pergunta, começou a modelar sua resposta pendente: "O importante é a vontade de abrir caminhos. Para um e para os demais. É não se conformar com os que abriram outros, com as auto-estradas e avenidas já abertas. O abrecaminos abre um pequeno caminho, ainda rodeado de malezas. É uma maneira de lutar contra a velhice, contra os anos que se vêm. Trata-se de ter respostas vitais, ainda que todos sabemos que temos o fim obrigatório. A morte é inevitável, mas é injusta. E não merecemos morrer".

As notícias nos dizem que Mario Benedetti morreu. O, com seu porfiado luminoso agastamento, sem trampear, tem desfondado a lei das leis. Hoje, a enojada é a morte. Milhares, milhões de pessoas, estão pronunciando os transparentes poemas de Mario, sinal de que ela esta vez perdeu a pulseada. A morte não sempre se sai com a sua. Benedetti, em realidade, agora respira de outra maneira. Não descansa em paz: descansa em solidariedade.

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