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TODAS ESSAS MULHERES ABUSADAS

Palomas


Este artigo foi publicado na → Revista La Nación o ano anterior. Conquanto descreve o que sucedia em Espanha, pode-se transladar a qualquer lugar do mundo.
Por → Rosa Montero

Imagen: Google

Em Tínhamos ganhado a guerra (editorial Bruguera), o estupendo livro autobiográfico de Esther Tusquets, topei-me com uma anotação que me fez recuperar uma recordação esquecida da infância.

Diz a autora que, de pequena, as películas lhe pareciam algo maravilhoso, e que o entusiasmo que sentia ao ir os sábados ao cinema estava tão só ensombrado pelo temor de que o vizinho da poltrona contígua tentasse meter-lhe mão, algo que lhe ocorreu "desde muito, muito menina e com certa freqüência".

E adiciona: "Me parece que não se falou o suficiente das agressões a que estávamos expostas as meninas e as adolescentes da pacata e reprimida Espanha dos anos quarenta e cinquenta, não podíamos subir a um bonde ou a um metro repleto sem que, uma de cada três vezes, sentíssemos que um pénis se esfregava contra nossas coxas ou nosso ventre, ou que uma mão se nos introduzia entre as pernas. As vezes o agressor era descoberto e tinha que sair fugindo, mas o habitual era que nos escabulléramos, mudássemos de lugar, nos parapetáramos depois da bolsa ou a pasta e calássemos por vergonha".

Pois sim, exato, justamente assim era, e posso assegurar que ainda passava o mesmo em minha época, bem avançados já os anos sessenta. Pergunto-me se o fenômeno depois foi remetendo ou se é que simplesmente eu cresci. AO pior seguiu ocorrendo nos setenta, nos oitenta, pode que inclusive agora.

Quiçá as meninas tenham tido que suportar geração depois de geração esse asqueroso magreo. Esse abuso constante e silenciado. Sim, calavas por vergonha, desde depois, porque uma das feridas que produz o abuso é o sentimento de humilhação na vítima; mas também calavas por medo. Colegas mais aguerridas do que eu, que se atreveram a protestar no metro ante um sobón, foram com freqüência xingadas e airadamente replicadas pelo agressor ("¡Mas tu que te creste, menina, como te atreves, que dizes, estúpida, mocosa!"); e a uma amiga minha -tínhamos por então treze anos- lhe atizaron inclusive um bofetón.

Não recordação que nestes transes ninguém saísse a defender-nos no metro atiborrado de gente; ou talvez sim, talvez em alguma ocasião alguma mulher maior rezongara algo em nosso apoio. Mas basicamente sabias que estavas só.

De maneira que levavas integrada na cabeça uma espécie de estratégia militar de sobrevivência no terreno inimigo. Nos cinemas de bairro sem numerar, que era aos que então se ia, tentavas instalar-te junto a uma mulher e cobrir os flancos. Jogavas-te a tremer cada vez que se sentava junto a ti um homem só, e nove de cada dez vezes tinhas que te mudar de fila ao pouco momento, fugindo de sua perna arrimada e de sua mão tonta.

Mas o pior era sem dúvida o metro. Desde os 10 anos até os 16, para ir ao instituto me fazia só, quatro vezes ao dia, um trajeto de seis estações. Não quisesse exagerar, mas olho para atrás e tenho a sensação de que todos os dias tinha algum incidente deste tipo.
Uma de cada três vezes, diz Esther Tusquets; sim, quiçá fora assim. Em qualquer caso, era habitual que te sobaran, ou que se esfregassem contra ti; e também estava a modalidade verbal, o energúmeno que se lançava sobre ti nos corredores do metro e te vertia na orelha rasposas barbaridades que nem sequer entendias.

Há duas coisas que me assombram especialmente de tudo isto. A primeira é o maravilhoso nível de adaptação que tem o ser humano, a capacidade de resistência, o bem que saímos, pese a tudo, tantas gerações de mulheres manuseadas. E a segunda, agora que o penso, é a incrível quantidade de assaltantes sexuais. Por todos os santos, ¡éramos umas meninas! Tantos pederastas tinha? Pergunto-me se a repressão sexual e o machismo da sociedade franquista pioravam a situação, ou se hoje existe o mesmo nível de pedofilia. Talvez antanho perseguissem crianças de uma esquina a outra do vagão, e hoje se dediquem a descarregar de Internet material pornográfico. Por não falar do absoluto horror do assassinato de Mari Luz. Sim, aqueles homens eram muitos, demasiados. Tantos, que não podiam considerar-se excepcionais, senão que faziam parte da paisagem social. Teriam uma esposa, filhos, filhas? Se creriam normais? Estará algum deles lendo isto? Não se lhe cairá a cara de vergonha?

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