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13jul2009
13jul2009

A AVÓ ELETRÔNICA

Palomas

ANA de → SUPER MAMY nos recomenda o relato da Avó Eletrônica...aqui o transcrevo
de SILVIA SCHUJER


Minha avó funciona a pilhas. Ou com eletricidade, depende. Depende da energia que precise para o que tenha que fazer.

Se a tarefa é cuidar-me quando meus pais saem de noite, deixam-na acoplada. A sentam sobre a mexedora que está ao lado de minha cama e lhe juntam um cabo que chega até o telefone por qualquer emergência.

Se em mudança vai preparar-me um bolo ou fazer-me o leite quando volto do colégio, colocamos-lhe as pilhas para que se mova com toda liberdade.

Minha avó tanto faz às outras. Em sério. Só que está feita com alta tecnologia. Sem ir mais longe, tem dobro casetera e isso é bárbaro porque se lhe podem pedir duas coisas ao mesmo tempo. E ela responde.

Minha avó é minha.

Me a trouxeram a casa mal saiu à venda. Meus pais a pagaram com cartão de crédito à manhã, e à tarde já estava conosco.

É que minha família é muito moderna. Modernísima. A tal ponto minha mamãe e meu papai estão preocupados por andar à moda que não guardam nem o mais mínima recordação. De um dia para outro atiram o que passou ao lixo.

Talvez é por isso, agora que o penso, que tenho tão má memória e não posso lembrar-me inteira nem sequer a tabela do duas.

Desde que a avó está em casa, no entanto, as coisas na escola não me vão tão mau.

Para começar, ela tem um dispositivo automático que todas as tardes se põe em marcha à hora de fazer os deveres. É assim: se lhe prende uma luz e se aciona uma alavanca. Abandona automaticamente o que está fazendo e seus radares apontam para onde estou. Então me levanta pela cintura e me senta junto a ela frente ao escrivaninha. Aí começamos a resolver as contas e os problemas de regra de três. Ou a calcar um mapa com tinta chinesa negra.

Ainda que ninguém se o peça, minha avó leva um registo exato de meus úteis escolares. Por outro lado, aperto-lhe um botão das costas e o buraco de seu nariz se converte em sacapuntas. Movo-lhe um pouco a orelha e as gemas dos dedos se voltam borrachas de tinta e lápis.

Ter uma avó como a minha me encanta. Sobretudo quando está acoplada, porque assim pode gastar toda a energia que se lhe dê a vontade e não custa demasiado mantê-la, como diz meu papai, que além de moderno é um avaro e sofre como um cachorro cada vez que a minha avó há que lhe mudar as pilhas.

Quase todas as noites eu a acoplo um momento antes de ir-me a dormir. Assim me conta um conto. Ou o faz aparecer em sua tela para que eu leia enquanto ela me acaricia a cabeça. Sabe milhões. Basta colocar-lhe o disquete correspondente (porque também vem com disqueteira) e em matéria de segundos começa com alguma história. Como completamente automática, apaga-se só quando me durmo.

Quando minha avó me conta um conto ou me canta algumas canções, eu me esqueço de que é eletrônica.

Mais do que nunca parece uma pessoa comum e silvestre. E é que ademais tem uma tecla de cor do que lhe permite escutar-me. Eu posso contar-lhe coisas e, oprimindo essa tecla, ela arquiva toda a informação: ao final sabe de mim mais do que nenhum.

Me agrada ter a minha avó. Ainda que sair a passear com ela me traga alguns inconvenientes: os que não são tão modernos como minha família nos olham muito na rua. E se riem.

Ou querem tocá-la para ver de que material é.

Vêem algo raro em seus movimentos... ou em sua cara, não sei. Creio que as luzes que tem nos olhos não são coisa fácil de dissimular.

A mim me encanta ter esta avó.

Faz uns dias, no entanto, minha mamãe disse que queria mudá-la por um modelo mais novo. Diz que saíram umas mais garotas, menos aparatosas, com mais funções e a controle remoto.

A idéia não me agrada para nada. Porque, ainda que é verdadeiro que estou bastante acostumado às mudanças, com esta avó me sento muito bem.

As terá melhor equipadas, já sei. Mas eu quero à avó que tenho. E é que, aparte, cada vez me convenço mais de do que ela também está acostumada a mim.

A dizer verdade, desde que em casa estão pensando em mudar à avó, eu estou tramando um plano para retê-la.

Si. Da pouquinho a estou treinando para que possa viver por seus próprios meios. Para que não deixe que a comprem e a vendam como se fosse uma coisa, um móvel usado.

Os outros dias lhe desconectei a luz dos olhos e agora lhe estou ensinando a ver.

Vamos bem.

Também lhe estou ensinando a ser carinhosa sem o disquete. Essa é a parte que me resulta mais fácil; talvez porque me quer, ainda que ela ainda não o saiba. Penso seguir trabalhando.

Meu objetivo é que aprenda a chorar. A chorar como louca. E o mais cedo possível, assim o dia que se a queiram levar como parte de pagamento para trazer uma nova, o escândalo o armamos juntos.

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