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DOS CUMPRE BLOGS

Palomas

As 'aventuras' de Ginés e Erik, cumpriram um ano de vida!!!
Ambos meninos unidos pelo autismo, elas -as mamis- são as encarregadas de contar-nos seu dia a dia.
A imagem é um presente de Ginés
o conto "O som da erva ao crescer" de Anabel



Quando me caí pela janela aos cinco anos, não me rompi. Só me fiz alguns rasguños e um corte na orelha. ¡Ah!, e esse dia comecei também a falar.

As flores recém plantadas no parterre comunal do bloco onde vivia amorteceram o golpe. Prímulas, rododendros e azaleas teceram uma malha de folhas ternas para recolher-me. Sim, eram minhas amigas, eu lhes sussurrava sempre que as entendia melhor do que aos humanos, porque as plantas não tinham olhos, permaneciam sempre no mesmo lugar, quietas, e jamais se queixavam quando lhes esticava as folhas. Ah, também não soltavam esses ruídos molestos sem significado para mim, nem tinha que tratar de adivinhar se queriam dizer-me algo.

Com as pessoas tinha que me tampar os ouvidos com muita freqüência. Bueno, tinha uma exceção: “Mah-mah”. Ela destacava entre todas as sombras brilhantes que me rodeavam. Juntos assinalávamos as tubagens, os aviões ou as torres das igrejas. Que raro que o nevoeiro cobrisse com freqüência seu rosto, que me fosse tão difícil olhá-la. “Mah-mah” também não falava: cantava-me. Por exemplo, o Klon-Klon dos sinos, o FUUUUUUUU de uma ventilação ou os murmúrios das flores.

Ter a Mah “-mah” era uma sorte em meu mundo de portas e de gavetas fechadas. Ela me ensinou a olhar ao exterior. Todos os dias, depois do café da manhã crocante, contemplávamos o jardim pela janela. As plantas me recordavam as peças de meu quebra-cabeça favorito. O primeiro que fazia era contá-las. Trinta e três. Tudo estava em ordem.

Até que uma manhã não pude passar do quatorze, não tinha mais. Entrou-me um ataque de pânico. Que passava? Onde estavam as plantas que faltavam, por que se tinham ido do jardim? Senti angústia, frustração ao não o entender. Sentia-me tão impotente que me atirei com a cabeça para o solo. As tijoletas estavam frias. Continuei balançando a cabeça, agitava pernas e braços, golpeava o ar. Vi as pernas de Mah “-mah”. Lancei-me para elas para propinar uma boa mordida, desejei que “Mah-mah” se agachasse, asir seu cabelo com força e atirar dele para recolocar meu mundo em seu lugar. Então “Mah-mah” me cantou que as plantas voltariam. Prometeu-o enquanto me sujeitava e me apertava forte, muito forte sem parar de balançar-me. Ela si que sabia espantar meu medo. Pouco depois o quarto se enchia de pompas de sabão, “plof” faziam ao romper-se, e eu mastigava um bocado de pepino depois de outro.

Dias mais tarde ocorreu o acidente. Tinha-me acordado na cama com “Mah-mah”, como sempre. Depois fomos juntos ao quarto balnear. Escovamo-nos os dentes, empanturramo-nos de cremes e me pôs os calcetines vermelhos começando pelo pé direito. Depois, à mesa para o café da manhã.

−Muito bem, Nils, puseste a colher junto à cumbuca de cereales.

¡Que ricos, os cereales! Bem crocantes, com bocados de cabo, pepino e morangos.

Quando terminei, fui-me a contar as plantas –voltavam a estar as 33, não sê como, mas “Mah-mah” o tinha conseguido-. A janela estava aberta e me aupé com perseverança para tentar fechá-la. Não chegava, onde estava “Mah-mah”?, assim que me subi a uma cadeira. Foi uma sensação maravilhosa observar o exterior enquanto o vento me despenteava. Então escutei o avião. Nunca passavam a essa hora. Alcei a mirada para seguir seu vôo e perdi o equilíbrio. Foi rápido. Três, dois, um... ¡Frasch!

Aterrizei sobre um mundo verde, branco e rosa. Um mar vegetal me observava e eu olhava com gosto cada folha, cada pétala ou o lombo moteado de uma joaninha que dormia. Não me molestou a desordem que meu corpo tinha ocasionado no follaje. Se me tinha soltado o cordão de uma de minhas sapatilhas. Deu-me igual. O cheiro terno de natureza rompida despabiló alguma zona escura em minha cabeça. Uma parte de minha memória parecia ter-se acordado ao mundo. Notava uma ligeireza estranha, como uma cócegas pulsantes, e provei a repetir o que cantava “Mah-mah”. Nunca antes tinha podido fazê-lo, mas nesse momento falei:

−¡Flor-eh!

Um pardal se posou num ramo. Saiu-me de dentro gritar “pioh-pioh”. O pássaro se assustou. De repente me entraram vontades de ir-me de ali ao experimentar com mais força do que nunca a ausência de Mah “-mah”. Desejava tê-la a meu lado.

−¡Nils, Nils!, estás bem, filho? ¡Nils, já estou aqui!

Escutei seu cântico cada vez mais próximo. ¡Que bonito soava meu nome quando “Mah-mah” o pronunciava! Por fim me dava conta. Voltei a cabeça para ela. Corria com a melena solta e a saia açoitada pelo vento. Procurei seus olhos com os meus. Alcei as mãos para que me pegasse.

−¡Mah-mah! –exclamei.

Ela se arranhava entre as matas para conseguir chegar até mim.

−¡Mah-mah! –insisti.

Minha mãe chorava e ria ao mesmo tempo. Não parava de repetir meu nome e eu só queria que me abraçasse muito forte. Tomou-me em seus braços. O impulso foi tão grande que os dois caímos ao solo. Rodamos feitos um nodo sobre a erva até que ficamos tombados bocarriba.

−Mah-mah ouves-eh? –disse-lhe.
−Filho, Nils, estás falando, podes falar... –contestou ela.−Ouves-eh?
−Claro que sim, meu amor, eu também o estou escutando.

O rumor era perceptível inclusive no meio dos gritos das pessoas que se tinham acercado e da sereia da ambulância que se abria passo entre o tráfico. Enquanto me tomava da mão, “Mah-mah” disse com a alegria dos sinos:

−Nils, o que ouvimos é a erva, carinho. Fala-nos, Te dás conta? A erva fala –me olhou com os olhos alvoroçados e adicionou-: ¡Tu estás falando também!

O que saía dos lábios de Mah “-mah” era voz, eram beijos. Correspondi com um beijo pela primeira vez. Que pele tão suave. Um a podia acariciar sem ter que pellizcarla. A partir da queda pude falar, ainda que seguia sem entender gestos ou muitas palavras. Que significava autista, por exemplo? “Mah-mah” nunca me chamava assim. Que tinha de esquisito em compreender a linguagem vibrante de um giro ou em interpretar a música da luz ao acender-se?

−Não te preocupes, carinho. Tudo está bem. São os outros, sabes, Nils?, os que vão muito rápido para poder compreender o mundo –me cantava “Mah-mah”.

Então a olhava um bom momento. O nevoeiro que tempo atrás cobriu seus olhos se tinha evaporado. E nos tombávamos sobre a erva, bem juntos, para escutar o som alongado que faz ao crescer.


Este conto o escrevi em junho de 2006. Por então estávamos à espera do diagnóstico que confirmasse o autismo de Erik. Meu filho não falava. Ainda tive que aguardar ano e meio, até dezembro de 2007, para escutar-lhe dizer "mamãe". Hoje em dia, um dos aspectos nos que mais evoluiu Erik é a linguagem, com linguagem comunicativa em alemão e em espanhol. Seguimos trabalhando com grande ilusão.

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